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5.2.04
Well, there is a Problem! (act.)
O Planeta Reboque - colocou o de seguinte forma: "Se arte é incomodidade, se arte é trazer para o presente o olhar do futuro, como conciliar isso com a necessidade de conforto que a arquitectura implica?" Pedro Jordão do Epiderme não vê aqui problema nenhum, porque distingue - e bem - a incomodidade que é um necessário aspecto da arte, do conforto, que se exige dum edifício ou de forma mais geral de um espaço arquitectónico. Conforto (psicológico) certamente não é uma qualidade de uma obra de arte. Embora que seja verdade que obras de arte confortam, fazem-no, se o fazem, só e inevitávelmente num plano que é distinto do nosso conforto do dia-a-dia: O conforto que me dá a Paixão de S. Mateus de Bach tem nada, mas mesmo nada, a ver com o conforto que posso por exemplo comprar num daqueles CD de bem-estar da papelaria. (Irónicamente posso encontrar neles até o devidamente açucarado Air do mesmo compositor). Porque o conforto de uma verdadeira obra de arte só posso sentir se antes arrisquei de abrir-me para um espaço de experiência, em que a harmonia não me espera na primeira esquina, e onde pelo contrário, o caos e o desconhecido espreitam. "Porque o belo só é o início do terrível..." Estou então de acordo que conforto não tem nada perdido na arte. E estou também de acordo que arquitectura é arte. Se agora ainda aceito o pressuposto do Planeta Reboque, de que arquitectura implica conforto, estou numa aporia. E esta só se resolve, se admito que a arquitectura de que o Planeta Reboque fala, não é a mesma de que o Epiderme ou eu falamos. Dou por adquirido que o Pedro do Planeta Reboque não só se refere ao conforto físico, mas também ao conforto psicológico. Porque a questão do primeiro seria facilmente dissociar da arte, enquanto do segundo já não. Para mim, quem pratica a arquitectura (faz e realiza projectos), surge este problema que o Planeta Reboque menciona, com frequência, e como um problema de consciência. Porque o meu cliente procura os meus serviços na espectativa de que lhe crio uma espaço (casa, jardim, etc.) que lhe confere conforto. E mesmo que lhe providencio com bastante à-vontade o conforto físico, - opõe-se não raras vezes o interesse manifesto do cliente e o interesse do projecto enquanto arte. Porque quase ninguém quer viver o seu dia-a-dia numa obra de arte. E a história, que já ouvi várias vezes da boca de arquitectos famosos, que esse antagonismo não existe, e que o cliente só não sabe, que o intereese da obra de arte é o verdadeiro dele, e por isso isto resume-se a uma questão de pedagogia, que o arquitecto terá que aplicar ao cliente/utente; isto é um mito de autojustificação do arquitecto, que não compro. Há dias um colega contou me que um arquitecto famoso português dizia: "Quando inicias um projecto, tens que ter consciência que no fim terás mais dois inimigos para a vida: o empreiteiro e o cliente!" É - nem sempre, obviamente - possivel persuadi-lo. Mas se o faço feliz, ao longo prazo, é muito menos do que certo. A questão que se me coloca - contragosto - é se realmente toda a produção arquitectónica pode e deve ser arte: um instrumento cujo principal fim é colocar o destinatário fora do seu contexto habitual e pô-lo em contacto com o - aterrador e belo - essencial. Não será só construção que se procura: um projecto, sim, bem pensado, mas não mais? (Um dos meus antigos professores, Joachim Ganz, dizia que a arquitectura é uma oferta do arquitecto a sociedade, porque o que nos solicitam - e pagam - é só um projecto...) Claro que me vão responder que um artista não condiciona o que faz pela procura (Picasso: "Um pintor pinta o que vende, um artista vende o que pinta!"), mas um arquitecto? Não estou convencido que - por exemplo - cada prédio de habitação deve ser um instrumento para a experiência do desconhecido. Se não o é, pode ser na mesma um bom prédio: Quais foram as intenções, as menságens artisticas de toda a excelente arquitectura anónima que se fez, durante a história humana toda e em tantas diversas culturas? Não defendo com isto o desleixo, nem que outros deviam, em vez do arquitecto, ser autores destes projectos. Acredito que continua indispensável a sensibilidade artística do arquitecto, e também todo o seu empenho enquanto artista, quando, nas sua missão de construção corrente, deve procurar de contribuir com o seu objecto de não-arte, de forma adequada para aquela grande obra de arte que é a paisagem, paisagem urbana. Muitas das casas mais famosas enquanto obras de arte não costumavam ou costumam ser habitadas, a não ser pontualmente (Haus Tugendhat, Vila Savoie, Falling Water, House Fansworth, House Douglas). Porque será? Merecedor de uma análise interessante seria a questão porque as casas de Adolf Loos escapam... Loos, de facto, era, como o seu conterraneo e companheiro de lutas Karl Kraus, um inimigo declarado da "Gemütlichkeit" (conforto psicológico), mas as suas casas, sem ficarem por isso nada, mas mesmo nada, menores enquanto obras de arte, são quase todas muito confortáveis. A palavra alemã "Gemütlichkeit" (conforto psicológico) é familiar da palavra "Gemüt" (alma), assim que se pode traduzi-la com "confortável para a alma". Este tipo de conforto, a "Gemütlichkeit" é o horror de qualquer arquitecto com ambição de artista. Infelizmente não tenho só pessoas com Karl Kraus como cliente, que dizia (cito de memória): "As pessoas queixam-se que as cidades modernas não são confortáveis ("gemütlich"). O que quero da cidade é eléctricos e agua quente da torneira, gemütlich é que sou eu!" E depois há ainda o texto de Vilém Flusser, em que explica que o próprio acto de morar transforma o "belo" em "bonito", ou seja, a arte em kitsch. Se isso não é um problema para a arquitectura... Etiquetas: arquitectura |
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