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  • 24.11.09
    Investigue-se!

    Acho natural que haja quem não gosta de Sócrates, não gosta da sua política, não gosta da pessoa, até quem tenha dúvidas acerca do seu carácter. Acho natural e legítimo que haja quem se empenhe em remover o actual Primerio Ministro do seu cargo quanto antes.
    O que me indigna profundamente é que em Portugal haja tanta gente, mesmo pessoas com grandes responsabilidades políticas e cívicas que não olham aos meios como fazem.
    Sei que corro o risco de ser arrumado, só por dizer isto, no lado dos socráticos. Também isso faz parte da cultura que me indigna. O único debate possível em Portugal é entre as trincheiras, quem tenta intervir estando em campo aberto, é logo empurrado para dentro delas.

    Do ponto de vista jurídico, está assente que não existe matéria criminal nas escutas ao Primeiro Ministro. Sabemos, através de meios ilícitos, que nem todos os agentes jurídicos neste caso concordaram, mas isto não altera o resultado jurídico deste processo. Sobre a actuação destes agentes, há uma certeza que é a fuga da informação, em violação do segredo de justiça. Essa exige uma investigação e resposta criminal.
    De resto há opiniões. Há uma opinião partilhada por muitos, que o facto da divergência dos agentes judiciais no caso é indício ou até prova da má fé de um ou do outro lado. Apesar de em todo o mundo ser comum acontecerem divergências de apreciação de casos jurídicos, mesmo entre magistrados. Há uma desconfiança no sistema e nos seus agentes. Há razões para ela, no caso concreto? Não as vejo, mas se sim, identifique-se e investigue-se. Se a desconfiança e genérica, a única resposta possível e sensata é alterar o sistema para torna-lo menos vulnerável a abusos dos seus agentes em quem, então, não confiamos.

    Quanto ao Primeiro Ministro, sei - não devia saber, mas sei - que há dois magistrados que o acham suspeito de um crime grave. Sendo contrariada por outra instância competente, é uma opinião sem valor jurídico, passa assim a uma opinião privada, embora de pessoas com formação jurídica e acesso a informação de que eu não disponho: as escutas.

    Não conheço o conteúdo das escutas, e por muita curiosidade que tenha, acho muito bem que isso fique assim. Não consigo compreender como uma pessoa com um mínimo de respeito para os direitos cívicos poderá achar se no direito de saber.

    Queirando quer não, continuo a saber da suspeita destes magistrados, e isso influi na minha opinião sobre o Primeiro Ministro e na minha confiança nele. Não consigo evita-lo. E é muito insatisfatório que é só com base numa opinião de cujo fundamento não disponho nem devo dispor. Pois assim, esse conhecimento não tem mais valor do que um boato. Todos sabemos que é inadmissível formar juízos com base em boatos, embora, como disse, praticamente inevitável. Se me dissessem que pessoas que, a partida, tenho como pessoas de bem, achassem o fulano X um criminoso, por exemplo que fosse um pedófilo, pensava duas vezes antes de lhe confiar as minhas crianças. Pode ser muito injusto para com o fulano X, mas é assim. O que contudo é evitável e eticamente inaceitável, é reproduzir os juízos sobre o fulano X e defende-los em público sem ter mais fundamento.

    É exactamente isso que os opositores de Sócrates actualmente fazem no caso das escutas. E é absolutamente ímoral em relação à pessoa visada e, em muitas formas, nocivo para a nossa vida pública.

    O que não é ímoral mas ao contrário a coisa mais correcta de fazer é tomar este boato como ponto de partida para investigar o assunto. Esta investigação pode e deve ser levado a cabo pela comunicação social, pela oposição, por qualquer cidadão interessado. Ela não está restringida, como a da justiça, à questão do foro criminal.
    Far-se-á não com base dos elementos de que não dispomos e não temos direito de dispôr, mas outros. Estes existem. Porquê não se faz um levantamento sobre a prática da atribuição da publicidade de empresas públicas e outras mais dependentes do governo? Este permitiria a todos os cidadãos fazer um juízo político.

    Quanto ao juízo criminal: há mais do que essas escutas. Há depoimentos, como o do director do Sol. Espero muito que ele não só se queixou, sem dizer nomes, em público, mas também às entidades jurídicas competentes, e aqui com nomes, e que essa depois investigue.

    Por fim, para não fiquem dúvidas: Eu acho o crime imputado ao Primeiro Ministro grave. Muito grave. Se um Primeiro Ministro se empenhasse em condicionar a atribuição de contratos de publicidade por empresas sobre quais tem ascendente devido ao cargo que tem - isto seria razão para remover o homem do seu cargo quanto antes. Além de aplicar as consequências penais.

    Adenda:
    Só agora li o artigo de Pedro Lomba. Não concordo com ele que a posição de Vital Moreira em relação a caso Moderna e Paulo Portas seria aplicável ao caso das escutas de Sócrates.
    "Existe uma separação entre o foro judicial e o foro político, mas nada impede uma acusação (e eventual condenação) na ordem política, porque se trata de um juízo totalmente distinto e independente da ordem penal (...) Num país democraticamente maduro, o que estaria em discussão era a substância do problema (ou seja, a censurabilidade política dos factos em causa) e não a legitimidade ou pertinência da apreciação da conduta do ministro do ponto de vista da sua responsabilidade política." (Vital Moreira)
    Como Vital Moreira, acho muito bem que se censure politicamente um comportamento censurável, mesmo se não fosse juridicamente condenável. Mas ao contrário do caso da Moderna, ainda falta produzir provas, mesmo que não jurídicas. As escutas não o são, pois desconhece-se - e bem - o seu conteúdo.

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