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  • 31.5.08
    Amy em Lisboa

    A rapariga não devia andar de saltos altos. Não sabe. Talvez sabe quando está sóbria, embora duvido. Há mulheres que andam de saltos altos a vida toda, sem jamais o aprender: nunca deixam de dar a noção ao observador que estão a balançar num equilíbrio precário. Aqui não é só a noção, é o caso, mesmo. Esta rapariga franzina de cabeleira enorme e com estas pernas magras não se mexe muito seguro no Palco do Mundo.
    Vê-se que hoje também não se entende com o equipamento. O microfone está alto de mais, não, agora está demasiado baixo. Solta-o, quer repô-lo, mas então a maldita coisa não quer voltar a prender no pé. A guitarra - enfia com dificuldade o cinto da guitarra no ombro - porquê é que a peça faz nenhum som? Ah, não está ligada à PA. Ora, vem um rapaz e tenta pôr o cabo. Quando consegue, já é tarde. Paciência.
    É verdade que também a voz não está grande coisa hoje, para isso pode-se pedir desculpa. O público entende. O que vale é que os rapazes da banda são bons profissionais, aguentam as confusões todas.
    Está sempre a mexer no vestido. Parece que está desconfortável, embora o vestido está largo, até muito largo no decote para o peito que tem. Puxa a bainha da saia para cima, já pela quarta vez. Ah, está a coçar-se! Entre as pernas. Também mexe no decote, outra vez. O que é que ela tirou de lá? Algo de comer? Será que vai cantar de boca cheia? Essa mancha é chocolate? Não, uma tatuagem. Talvez não vi bem. Em todo o caso, há coisas que ainda continuam enfiados no decote, como aquele lenço preto que está meio a sair acima do peito esquerdo. Tudo isso é um pouco obsceno, um pouco indecente, mas não, não é para provocar, não é para seduzir. Não é mesmo calculado, muito pelo contrário. Por outro lado, aquilo não a parece embaraçar.
    Entretanto vai-se na quarta canção. Depois um cover: A Message to You, Rudy, dos Specials. Há muito que já o não ouvi. Tem um belo groove: ideal para continuar no fundo enquanto se apresenta a banda. Amy começa pelo saxofonista, o músico mais a direita. - «ta-ta-ta-ta ta-taaa - A Message to You, Rudy» - A canção acabou. Esqueceu-se de apresentar os outros. Não faz mal.
    Agora acocora-se atrás de uma coluna do palco. O que está lá a fazer? Xixi? Não, reaparece com um copo de vinho. Parece Fanta, o que há no copo. Ainda tropece mesmo, os membros da banda ajudam-na a levantar-se. No fim, pede desculpas, diz que devia ter cancelado mas que adorou ter estado aqui, apesar de ter uma «bad voice» hoje. Já o disse antes. Explica que tem de acabar já, não há mais tempo, porque começou atrasada. Soa como achasse que era bem feito assim, o castigo justo. Para ela. E para o público? Mas que adorou. E ainda vai tocar o Lenny Kravitz.

    Um desastre de concerto. Curto, caótico, sem voz, sem garra. Mas o público perdoa. E eu também. Ela é destes raros artistas que mesmo no fracasso, no desleixo imperdoável aos mortais, ainda nos deixam algo que é dos deuses. Sou novo de mais para ter visto a Janis, o Jimi Hendrix, o Jim Morrison, calhou que nunca vi o Kurt Cobain. Vi a Amy Winehouse. Ela tem 24. Vamos ver se se safa. Não aposto alto. Mas nem todos que os deuses amam têm de morrer cedo. Talvez daqui a trinta anos poderá dizer o que Jimmy Page disse: «Sabia que a nossa música iria durar, mas não pensava que eu ia durar. Primeiro achei que estaria morto aos trinta, depois aos quarenta, entretanto tenho cinquenta e cinco e ainda ando por aqui.»

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