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  • 31.3.08
    A verdade da escrita

    Tive em tempos um trabalho onde a comunicação com o cliente, uma instituição pública, era essencialmente por escrito. Concluído ou revisto uma fase, enviava os elementos, e o funcionário responsável pelo meu projecto fazia a análise, apontava erros e omissões e solicitava alterações. Um procedimento normal. Anormal era a extraordinária má-criação dos seus comentários. Os reparos, uns mais, outros menos acertados do ponto de vista técnico, vieram impregnados de uma raiva profunda contra o autor do projecto, a sua incompetência e a sua má-fé. Não se deu o trabalho de escondê-la. Pelo contrário, o insulto era servido com prazer ostensivo, propositadamente mal disfarçado, e como prova da educação do autor das críticas servia apenas o uso correcto e elaborado da língua portuguesa.
    Quando chegou a altura para uma reunião, preparei-me por isso antes para não perder a contenance. Não costumo perdê-la, mas no caso havia esse risco. E os meus sócios lembravam-me o que também sabia, que isso não nos trazia vantagens.
    Ao vivo, o homem abominável porém revelou-se a delicadeza em pessoa. Preocupado com o meu conforto, pediu desculpas pelo mau funcionamento do ar condicionado, ofereceu em alternativa água, chá e café, e iniciou a reunião com um agradável smalltalk sobre o trânsito, o tempo e outras vicissitudes da vida quotidiana.
    Quando discutimos o projecto, repetiu exactamente o que defendera no parecer, mas com civilidade e sem uma única vez escolher uma formulação que poderia ter-me dado razão para me sentir ofendido. Não propriamente rendido ao homem, mas intrigado e antes de mais aliviado saí da reunião. Pelo menos a partir daí, as coisas iriam melhorar.
    Engano. O próximo parecer era tão intragável como o primeiro.

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