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  • 13.7.07
    Trabalhar, trabalhe o preto

    Já há algum tempo não postei uma bela história aqui. (Antes de mais, por falta de tempo.) Para compensar, roubei uma belissima à Isabela do Mundo Perfeito:

    «A acção decorre na rua, frente a uma obra situada perto da Loja do Cidadão, em Sete Rios, Lisboa.
    O dia está claro e soalheiro. É verão.
    Intervêm duas personagens:
    - um arrumador de carros magrito, com pele cinzenta-amarelada; cabelo de tonalidade indefinida, emaranhado, ressequido e empastado; roupa cor-de-esfregona velha, uniformemente larga e solta. Traz uma bandeirinha da qual se serve como instrumento auxiliar para arrumação de veículos.
    - um negro das obras, alto e forte, vestido com roupa de trabalho, e uma ferramenta pendurada no cinto largo.
    (O arrumador colocou-se no centro da rua, gesticulando expressivamente, apontando para o que considera um lugar vago para estacionar. O pequeno espaço situa-se entre o portão de entrada para a obra e a garagem privada de um prédio de escritórios e habitação.
    Os condutores manobram para não o atropelarem, seguindo caminho. Um negro sai da obra com ar sarcástico. Pára a três metros do arrumador.)

    Negro - Não pode estacionar aqui. Aqui é para camiões da obra virem descarregar.

    (O arrumador olha-o de esguelha e mastiga qualquer coisa entre dentes. Não se percebe.)

    Negro - Aqui não pode ser, olha lá. Cai cimento. Tens aqui tabuleta para não arrumar.

    (O arrumador ignora-o.)

    Negro - Vais ficar culpado de carros estragados. Aqui não é bom. Vai lá mais para cima, pá.

    (O arrumador continua a ignorá-lo. Vai murmurando expressões imperceptíveis. O negro fica calado, observando a cena. Volta-se para trás e ri-se. Três homens, brancos e negro, debruçam-se do 1º andar do prédio em construção, e riem também.)

    Negro (para os homens no 1º andar) - Este gajo vai obrigar chamar polícia quando chegar a betoneira...

    (O arrumador volta-se, rápido, e arremete com a bandeirinha em direcção ao negro, explodindo.)

    Arrumador - Vai trabalhar, malandro. Vai trabalhar, malandro. Vai trabalhar. Vai. Desanda. Vai trabalhar. Não fazes nenhum. Vai, malandro.

    (O negro volta-se e vai-se embora, rindo alto.)

    A cena termina com o clamor de risos dos passantes e de quem trabalha na construção do prédio.

    Cai o pano.»

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