<$BlogRSDUrl$>




  • 27.4.07
    Ser desejado

    A Helena perguntou-me se tinha feito, como homem em Marrocos, experiências com assédio sexual. Com a sua habitual candura acrescentou que a questão a interessa muito, e por isso vou interromper a minha série sobre Marrocos e responder, antes de voltar às minhas histórias mais chatas que, aviso desde já, não mais meterão sexo.
    Claro que sei que o interesse da Helena só tem motivos nobres. Honni soit que mal y pense! Para além de uma saudável curiosidade sociológica e antropológica, a muito compreensível sede feminina de justiça: Não seria bom se os homens, normalmente autores do assédio, sentissem na própria pele como é ser o seu alvo?

    A resposta é não, em Marrocos nunca fui alvo de assédio sexual. Que não fui este ano, compreende-se. Mas também não, quando tinha vinte anos. Possivelmente, na altura, porque viajava com um amigo da mesma idade. Mas tenho uma história que me aconteceu em Paquistão, na minha viagem overland to India. Imaginem um rapaz de 18 anos, mais ou menos como o meu filho Frederico hoje, no cartaz que postei há dias.

    Depois de um mês relativamente descontraído em Afeganistão, porque na companhia de três simpáticos suíços, encontrava-me de novo sozinho, agora em Paquistão, no comboio de Peshawar a Lahore. Uma viagem de dia e meio. Mais precisamente, de noite e meia, porque essas viagens de grande distância por boas razões costumavam fazer-se à noite. Em vez de uma couchette na terceira classe, só tinha conseguido marcar um lugar sentado, na segunda, numa carruagem sem compartimentos que tinha uma disposição um pouco inusitada. Tinha, para além dos bancos organizados de forma convencional num lado, ainda uma fila de lugar único, entre o corredor e a janela. Era aí onde estava o meu assento, o que julgava bastante melhor do que partilhar um banco com paquistaneses numa carruagem apinhada de gente. Pois não tardava e todo o chão entre os bancos, inclusive o corredor, estava coberto de malas, sacos de viagem, e de colchões dobráveis que pareciam fazer parte da bagagem habitual das pessoas, de forma que se criou quase um plano contínuo ao nível dos assentos. E em cima deste, instalaram-se os seus donos, os passageiros que não tinham lugares marcados. No meio desta confusão achava-me bastante bem servido, entalado, sim, mas seguro do meu lugar e até com possibilidade de colocar os pés no chão, se o quisesse.

    Já estávamos em viagem há algumas horas, e o ruído das conversas animadas tinha cedido a um silêncio sonolento, deixando sobressair o rítmico “claque, claque” dos carris. Ao meu lado havia-se deitado um avozinho, de longa barba grisalha, em vestes tradicionais, no seu conjunto de haveres.
    Também eu tinha passado pelas brasas, quando acordei por alguma razão e reparei que a mão do velho, que estava deitado de lado, aparentemente a dormir, repousava com naturalidade na minha coxa. Incomodado, mexi-me. Mas a mão ficou onde estava. Agora estava imóvel e mole, mas entretanto fiquei acordado o suficiente para ter a certeza que antes isso não tinha sido assim, e que os dedos tinham estado bem vivos. Aliás, havia sinais físicos no meu próprio corpo que me indicavam que isso tinha sido, de facto, o caso.
    Olhei a volta. Mais ao fundo, duas senhoras estavam a conversar, aos sussurros, de resto toda a gente parecia estar a dormir. Mexi-me outra vez, de novo sem efeito. Então peguei na mão, com algum cuidado, e pousei-a fora.
    Mudei a minha posição. Levantei o joelho, apoiando o meu pé no banco de frente, com o fim de impedir que a mão voltasse a “cair” na minha coxa, e tambem para aliviar uma certa pressão nas minhas calças. Resultou por algum tempo. Mas então o velho, como no sono, virou-se, com o resultado de que agora já não era a sua mão direita que pousava em cima da minha perna, mas a sua mão esquerda se encostou por baixo da coxa, tocando com os dedos no meu escroto.
    Com um gesto enérgico, e um palavrão abafado, sentei-me direito, entalando a mão com força na cadeira. O homem retirou-a, e fixou-me por um momento de olhos entreabertos.
    Apeteceu-me de lhe dar um pontapé, mas nem de mandar vir abertamente me atrevi, pois senti-me sozinho, o único viajante ocidental nesta carruagem. Não preguei mais olho esta noite. Mantive-me, o máximo possível encostado à janela, vigilante que não fosse alvo de um novo ataque dos dedos exploradores do meu vizinho. Quando saí em Lahore, tinha aprendido uma coisa: Jamais vestiria aqui calções, muito menos calções apertados de ganga.

    _________________

    Não seria inteiramente verdade se dissesse que foi nessa viagem que pela primeira vez me apercebi de mim como objecto de desejo homossexual, mas se acrescento, que foi pela primeira vez de uma forma consistente, generalizada, então é. Pois a história que contei, talvez foi a mais explícita, e incómoda pela impossibilidade de me subtraír à situação, mas não foi a única. Pode ter ajudado o meu aspecto de então, e o exótismo que este para os indígenos deve ter compreendido. Mas creio que não é só isso. Nestes países islâmicos, em que as mulheres, e tudo que nelas possa ser erotizante, é subtraído à percepção quotidiana do homem solteiro, a energia sexual naturalmente procura alvos que estão mais a mão. Quem diz energia sexual diz carinho: Como me espantou ver nestes paises de extremo pudor sexual, e onde a homossexualidade é um pecado ameaçado com pena de morte, em todo o lado "casais" de amigos, rapazes ou homens com vinte ou vinte e cinco anos, de mãos dadas como amantes, a tocarem-se em público com indisfarçada ternura!
    Que, onde não há rapariga apetitosa que se veja, o desejo também dos mais velhos se vira para rapazes apetitosos, para onde se pode vêr e tocar alguma pele nua, e - se calhar - algo mais, parece-me só natural.

    This page is powered by Blogger. Isn't yours?

    Creative Commons License