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  • 8.3.07
    A cada um a sua, e só a sua história?

    A França e a Alemanha fizeram um manual escolar de história comum. Não conheço o seu conteúdo, não sei se os críticos têm razão que dizem que os textos são frouxos e ambíguos após tanta negociação diplomática, e que se excluiu dele cuidadosamente qualquer matéria mais polémica. Provavelmente têm.
    Mesmo assim, acho-o um feito fantástico. Quem se lembra da “Erbfeindschaft”, da “inimizade hereditária” entre França e Alemanha, quem se lembra das centenas de milhares de jovens, que pereceram nas valas da 1ª e da 2ª Guerra Mundial, como se a uma lei natural e inalterável obedecessem, só pode constatar, orgulhoso e comovido, o progresso que a reconciliação e a paz entre estes dois povos fizeram, de que este manual é uma indesmentível prova.
    Como li, é só um primeiro passo. As épocas mais controversas faltam ainda, espero muito que sejam também tratadas. Porque só vejo vantagens em ensinar na Alemanha - também! - o ponto de vista francês do tempo entre 1870 e 1945, como na França o mesmo período - outra vez: também! - do ponto de vista alemão.

    Noto como em Portugal este projecto é visto, à direita e à esquerda, com pouca simpatia. Só consigo entender esta falta de simpatia, se me lembro da dificuldade de fazer, a partir de Portugal, dele uma apreciação desinteressada. Em vez de reconhecer o óbvio e dizer «que bom: dois países com uma relação de inimizade centenária e sangrenta entendem-se hoje tão bem que até são capazes de ensinar aos seus filhos a sua história dum ponto de vista comum», são assaltados pela angústia ao pensar no suposto ou genuíno interesse nacional. »Mais um reforço do terrível Eixo Franco-Alemão! Mais um passo em direcção à anulação da nossa autonomia e, se esse exemplo se estende, como proposto - cruzes canhoto! - por toda a União Europeia, da anulação da identidade portuguesa!»

    É legitima a preocupação dum país pequeno em não perder a sua cultura própria na inevitável globalização dos conhecimentos das gerações futuras - esta não contornará a matéria da história – mas é um sinal de falta de visão e coragem não ver o mérito e o exemplo neste empreendimento.

    P.S.:
    O uso do manual franco-alemão não é obrigatório. Está explicito no DN (versão papel) que ele não o é nem na França nem na Alemanha, e não acredito que alguém pensa que o deveria ser no futuro. Pelo menos na Alemanha, isto contrariaria toda a filosifia e política realizada em matéria de ensino. Desde 1948, não é sequer o (nacional) Ministério Federal de Educação que decide forma e conteúdo do ensino, mas os dezasseis ministérios dos dezasseis estados federais, cada um com autonomia da sua política educativa e legitimidade eleitoral própria. E em cada destes estados cabe, como em Portugal, às escolas a escolha dos manuais escolares. Não há "livros únicos" na Alemanha.


    Adenda:
    Aconselho a quem fala, se ainda não o leu, num processo de intenções, de limpeza como objectivo ou pelo menos resultado do livro de história comum, de antes fazê-lo. Ou, a falta deste, uns livros escolares alemães sobre a sua própria história. Surpreender-se-ia com o desassombro com que eles olham para um passado pouco edificante.
    Já que estamos a fazer processos de intenções: No medo que aqui fala, oiço atrás do alegado pluralismo outra coisa: chauvinismo.

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