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  • 20.10.06
    Promoção

    Há dias comprei um monitor. Encontrei-me cedo, às nove menos um quarto, no parque do Lidl Xabregas, porque a Margarida me tinha avisado: “Tens de lá estar antes que a loja abre, as promoções esgotam-se num instante!”

    A cortina de alumínio do largo portão deste armazém estava semi-subida, à sua frente esperavam um jovem segurança e já um grupo de 20-30 pessoas. Gente de vária ordem, mas toda da população activa, creio eu, pessoas com vestes de trabalho, de escritório e também uns de fato-macaco, que, para poder aproveitar a promoção, tinham resolvido chegar hoje um pouco atrasado ao emprego; ou talvez elas estavam aqui a mando do patrão. Ainda reparei num jovem casal, aparentemente estudantes, ela muito grávida.

    O grupo não constituia fila, pelo que comecei a memorizar as caras que se encontravam na sua periferia, critério que escolhi para identificar os meus mais prováveis antecessores na ordem da chegada. Felizmente tive mais logo a melhor ideia de memorizar em vez disto as pessoas que vieram depois de mim.
    A primeira destas era um homem baixo e compacto, vestido de fato e gravata, um representante típico desta estirpe de pequeno empresário português, que se distingue dos quadros médios de empresas maiores, semelhantemente fardados, pela sua porte dominante e vagamente desafiadora.

    Às nove menos cinco a cortina de alumínio subiu por completo, e a supervisora de serviço juntou-se ao segurança. Ainda não libertaram a entrada. Só quando às nove em ponto destrancavam as portas de vidro, o nosso grupo, entretanto crescido para cerca de sessenta pessoas, se pôs em movimento.
    “Atenção, a entrada é apenas pelo corredor previsto, à esquerda!”, repetia a funcionária. Apesar disso só metade passou por ali, a outra metade atalhou pelos corredores das caixas não ocupadas. Aqui deram-se os primeiros empurrões. Mais cinco metros em frente, à altura das cervejas, o passo acelerado já tinha cedido ao trote. Chegados ao meio da loja estavamos em plena corrida.

    Também eu estava a correr, porém travado pela mulher grávida a minha frente, cuja lentidão amaldiçoei mas que me sentia inibido de ultrapassar. Isso fez, com o olhar enérgico posto em frente, o homem de negócios a nós os dois.

    Os primeiros tinham entretanto alcançado o fundo da loja, onde julgavam os artigos da promoção. E ouviam-se os gritos ofendidos: “Os monitores! Onde estão os monitores?!” Afinal os monitores não estvam ali, mas escondidos debaixo das duas únicas caixas ocupadas, perto da entrada, no lado oposto do corredor para onde nos tinham encaminhado.
    Após uns segundos de hesitação confusa, invertia-se o sentido da corrida, que prosseguia então com redobrada ferocidade. Pois os concorrentes mais determinados encontravam-se agora em posição de desvantagem, atrás dos moles e fracos.

    Pouco antes de chegarmos a uma das duas caixas abertas, o homem de negócios tinha alcançado a mulher grávida, que se dirigia à caixa dois, e a mim, que me aproximava à caixa um. Aqui fez uma escolha, talvez, num momento de fraqueza, cedendo a um instinto nobre: Optou por mim como pessoa a ultrapassar. Aproveitando-me de todos os meus 1.93m de altura, estiquei os cotovelos e impedi-o de entrar antes de mim no corredor da caixa.
    Comprei o penúltimo monitor em stock, o último calhou à mulher grávida.

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