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  • 31.3.06
    O que se pode dizer e o que se pode pensar

    Helena,
    li a tua resposta com muita atenção. É dificil respondê-la com a seriedade que merece num único post, e ainda mais difícil sem que isso se torne um exercício longo e maçudo (pelo menos para terceiros).
    Alguns tópicos também interessantes, como o do ódio da mulher judia que conheceste e as anedotas do horror, deixo - por enquanto - de fora, os outros tento aqui tratar em separado por parágrafos.

    Sobre o estudo em questão

    volto a não me pronunciar. O meu post não quis meter-se na discussão sobre se ele é correcto ou errado, de boa ou de mã-fé, anti-semita ou não. Ele era sobre a provocação do Dragão e das reacções que ele provocou, e sobre a sua tese original, ou seja, nâo a do estudo citado, mas de que o discurso sobre “os judeus” está condicionado, pela ameaça de classificação sumária de anti-semitismo.
    Apoiei esta tese e ainda defendi que o post não é racista (excluindo o relatório desta questão).

    Sobre a linguagem:

    Criticas a minha defesa do termo “pencudos” e o termo “os judeus” que empreguei no meu post. Aqui tenho efectivamente alguns pontos a corrigir, porém talvez noutros termos como esperas.
    “Pencudos”:
    Tinha um familiar que se referiu invariavelmente aos asiáticos como “olhos obliquos” (“Schlitzaugen”). Mesmo quando o fazia num contexto aparentemente inócuo, ao falar das suas viagens como turista “Neckermann”, isso incomodava-me a mim e os demais ouvintes na família, pois na verdade era impossível não reparar no ressentimento subjacente e na boçalidade da postura. Da mesma forma, quem por hábito se referia aos judeus como “pencudos”, deixaria transparecer o mesmo ressentimento e igual falta de educação.
    Assim, não vou perder tempo a discutir contigo se a minha ressalva, em que disse que a denominação dos judeus como “pencudos” [...] teria, à partida, nada de racista, foi suficiente. Melhor teria feito ao admitir desde já que “pencudos” obviamente foi e pretendeu ser depreciativo. (O Dragão me corrija...) Mas mantenho, mesmo assim, que o título “O Sacrossanto Lobby dos pencudos” é perfeitamente legítimo, e não só à luz da defesa abstracta da liberdade de expressão. Não me ocorreu por um momento que o Dragão seria pessoa para chamar por regra “pencudos” aos judeus, à maneira do meu tio; estava e está claro para mim que usou a expressão intencionalmente, num registo irónico, retórico, isto é: literário, no caso até claramente identificável como tal. Assim ela deixou de ser um indício dum ressentimento racista. E como não me interessam as palavras, mas a ideia subjacente, que aqui era a provocação de reacções como a tua para ilustrar a sua tese, não tinha e não tenho nada a objectar ao título daquele post.

    Também fizeste-me um reparo ao meu emprego do termo “os judeus”, que aceito no caso em que falei do “lobiismo político dos judeus” (no último parágrafo). Aqui deveria ter dito “lobiismo político judeu”. Mas não no exemplo por ti apresentado: “O livre discurso sobre questões relacionadas com os judeus”. Como podia dizer isto de outra forma? Não haverá questões relacionados com os judeus? Será que isto não existe, “os judeus”?
    Claro que existe. Não foram perseguidos e assassinados no holocausto judeus, ou seja pessoas que acidentalmente eram judeus, mas os judeus. E não só o inimigo define os assim. O Nuno Guerreiro não está a documentar a história de, mas dos judeus portugueses.

    A receita alemã:

    Dizes, e quem pode negá-lo, que “a mistura entre informação, trabalho individual de tomada de consciência dos preconceitos subjacentes aos discursos, e inclusivamente a censura de certas expressões”, teve resultados muito positivos no combate ao anti-semitismo e o racismo no país do Holocausto. Hoje estes males ali não são mais expressivos do que noutros países vizinhos.
    Talvez numa sociedade que acabara de sair do Império dos Mil Anos, a criminalização do discurso racista e a censura da linguagem realmente foram necessárias. Mas custa-me de aceitá-lo, por uma objecção de princípio. Acredito na informação, no trabalho de tomada de conciencia dos preconceitos subjacentes aos discursos sim, na censura de certas expressões não. Já discordámos sobre isto na ocasião do debate sobre os cartoons dinamarqueses. Não gosto das medidas coercivas e nomeadamente não confio nos seus resultados. Elas suprimem, mas não vencem o ressentimento. As primeiras duas apostam na liberdade e na responsabilidade do homem, a última pretende e consegue comportamentos irreflectidos e irracionais.
    Talvez perguntar-me-as, se acho realmente que a minha insistência piquinhas na ideal e pura liberdade terá qualquer importância, perante uma receita que tem tido tanto sucesso a prevenir um novo Holocausto? Não qualquer crime: um Holocausto. - Respondo: Sim, acho.
    Pois não é secundário apostar na liberdade e responsabilidade. Para quem acredita na possibilidade de que a luta contra o mal não se limita a uma eterna luta defensiva, a resposta só pode ser sim. A censura, a regulamentação da linguagem podem assegurar hoje o efeito desejado, mas amanhã, como já ontem foi o caso, outra censura, outro condicionamento da linguagem assegurarão semelhante efeito, mas para um objectivo inverso. Por isso, a insistência na liberdade de expressão não é um luxo, não é excesso, não é algo para que, como o Diácono Remédios diria, “não havia necessidade!” Há necessidade, sim!

    Criticar Israel sem ser anti-semita:

    Apresentas um - aliás excelente - site alemão como exemplo como é possível criticar a política de Israel sem ser arrumado no campo anti-semita. Este site é um bom sinal, e certamente haverá outros. Mas a sua existência não desmente o condicionamento da discussão pública da política de Israel pela ameaça de ser classificado como anti-semita. O artigo de Ralf Dahrendorf, que recentemente comentei, ilustra-o de forma flagrante.

    Um último aspecto,

    talvez um pouco lateral ao debate, mas importante:
    Depois do choque de se confrontar com o indizível crime cometido pelos seus compatriotas, muitos alemães de bem desenvolveram nos anos a seguir ao Holocausto um filo-semitismo, uma reacção inspirada por sentimentos de vergonha e culpa e com a vontade de reparar, de compensar algo, mesmo ciente de isto ser, no essencial, impossível. Muitas alemães um pouco mais velhos do que eu foram por exemplo trabalhar durante uns meses num kibbuz. Sendo os judeus os príncipais vítimas, apoiá-los, identificar-se com eles foi uma resposta natural. E instalou-se uma equação moral simplista, que rezava mais ou menos ser decente = ser contra o holocausto = ser filosemita.
    O que se quase esqueceu era que o Holocausto nos obriga não só em relação aos judeus.

    Mais do que a expressão extrema do anti-semitismo, o Holocausto foi a falência da mais elementar humanidade. Por isso o primeiro mandamento a formular a partir desta experiência não deve rezar “Não sejas anti-semita!”, mas “Não abandonarás a tua humanidade!”

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