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  • 3.3.06
    Culpas e atenuantes

    O assassinato da Gis foi um crime especialmente hediondo. Não é atenuante nenhuma o desvalor social da vítima. Menos ainda a sua fragilidade. O facto de que a vítima foi o que foi e que o crime foi cometido em grupo, por uma matilha, revolta-me especialmente. Como me repugna e assusta o grau da desumanidade que os autores do crime revelaram ao terem continuado durante dias as sevícias numa vítima indefesa e agoniante.
    Mas não tenho complacência pela ligeireza, pela preguiça moral de quem, como a Esther Mucznik, pretende enfrentar o horror deste crime em primeiro lugar com a confortavel condenação moral dos seus autores, pronto para empurrá-los junto com a sua culpa para fora do nosso espaço que chamamos sociedade.
    Não me alio a uma condenação que quer dizer: Quem comete um crime como este não pode ser dos nossos, por definição. Desde já não pode ter sido e agora muito menos poderá ser. Porque nos não fazemos coisas como esta. Somos diferentes, humanos. E antes de que nos assalta qualquer dúvida sobre isto, vamos nos indignar ainda um pouco mais.

    Acho sim um atenuante que estes jovens são menores. Outro que eles não tiveram uma família, mas viveram numa “instituição da solidariedade social”. Outro ainda que agiram em matilha. Como disse, este último facto enoja e revolta-me especialmente. Mas é um atenuante.
    Não conheço os jovens, as suas biografias, nem as Oficinas de São José, por isso o que direi agora só é um palpite que carece de verificação ou falsificação, mas é um palpite que se baseia um pouco na minha própria experiência, naquilo que vi e vivi como criança em ambientes sociais menos agraciadas pela sorte:

    O que estes rapazes fizeram à Gis, calculo eu, não foi uma coisa tão do outro mundo, quero dizer, tão fora do mundo deles. Não me admiraria nada se o seu quotidiano estava cheio de violência, de sevícias, de humilhações. Sexuais e outras. Neste caso o que fizeram à Gis só teria sido um prolongamento, uma ampliação daquilo que eles já sofreram e já fizeram uns aos outros. Embora que mais brutal, mais final, sem dúvida.

    Se este meu palpite for correcto, a culpa não pesa sozinha sobre estes rapazes de treze, catorze e dezasseis anos. (Também não só sobre a instituição em que vivem.)
    Mas é mais fácil deixá-los sozinhos com a sua culpa. E é mais que provável que vamos fazê-lo. Vamos abandoná-los a outras instituições da dessolidariedade social, só desta vez com grades. Não vamos matá-los, como eles mataram a Gis, mas vamos descartá-los como lixo, como eles a descartaram. Tiveram eles a ilusão que ao negar qualquer valor à sua vítima pudessem provar que lhes sobrava uma restia dele para eles. Claro que estavam duplamente enganados.

    (Isto é uma resposta ao António Machado, ao seu comentário ao post anterior.)

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