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  • 18.8.05
    Notas do emigrante em férias na sua terra

    Ao escrever um post no Quase em Português, depois de duas semanas, tempo bastante para blogues fecharem e renascerem, quase me sinto a entrar num espaço de outrem.
    Desde que cá cheguei, há duas semanas, choveu quase todos os dias, mas mesmo assim reconfirmo que Alemanha é um país muito belo. Já se pode nadar no Reno, como fiz, ao pé de Düsseldorf, o que, por causa da poluição, era impossível na minha infância. Hoje as fábricas têm filtros, a Henkel, a Bayer, a Thyssen/Krupp, ou estão encerradas, como as minas do Ruhrgebiet, excepto umas ou duas que funcionam como museus dos tempos aureos mas sujos do florescimento indústrial da região. Algumas minas ainda mantém-se em funcionamento, por razões que me ultrapassam: diz-se por razões sociais, mas seria mais fácil dar os 75.000 euros por ano, que custa a manutenção de cada lugar de emprego aos respectivos mineiros em dinheiro.

    O tempo é mau, o país belo e as pessoas estão remediadas, embora desanimadas. As que têm emprego, vivem bem por enquanto, mas têm, com razão, medo de perdê-lo, temem de cair na miséria. Uma miséria de alto nível, porém, porque para além do rendimento mínimo, de 740 euro para uma família de 4 pessoas, recebe-se o montante integral da renda duma casa apropriada, subsídio para a compra de vestuário, de livros escolares, para a compra da maquina de lavar a roupa, e outras coisas, de que não me lembro. As regras são complicadas, por isso o que se recebe, depende em boa parte da capacidade da esperteza - e da lata - do subsidiado. Auxílio presta um manual muito popular, chamado "Dem Staat nichts schenken!" ("Não oferecer nada ao estado!"), que explica como receber o máximo possivel da segurança social alemã.
    Ontem assisti a um despejo forçado no prédio em frente: sempre uma tragédia, mas a minha pena limitou-se aos filhos da família. Soube que os seus pais acumularam, apesar de ter recebido o subsídio da renda na íntegra pela segurança social, uma dívida de dois anos de renda. Fizeram outro uso do dinheiro...

    Sempre que volto para Alemanha, o que mais me salta aos olhos como diferença para Portugal é a riqueza pública: as estradas bem mantidas, os jardins bem tratadas, as escolas e os hospitais bem equipados...

    Mas no meio duma vida confortável, o medo e a falta de optimismo notam-se. Os cartazes da campanha eleitoral em curso não conseguem escondê-lo. Depois de Chanceler Schröder ter forçado eleições antecipadas, ciente de irá perdê-las, há uma situação política inédita na Alemanha:
    O CDU (os conservadores), que até há pouco eram dados como vencedores certos - só se mantendo a dúvida se necessitariam os liberais da FDP como parceiros da coligação - já não o são. Desde a virtual cisão da SPD, com a criação dum novo partido da esquerda na antiga RFA, que se juntou ao PDS (ex-comunistas da RDA), não há maioria à direita.
    O novo partido da esquerda "Linkspartei", com um programa que associa promessas de emprego, a ordenados elevados e a limitação do número dos estrangeiros na Alemanha, está cotado bem acima dos 10% ao nível nacional.
    Nem o SPD nem os Verdes consideram os novos populistas um parceiro possível de coligação.
    Assim tudo aponta para uma "grande coligação" entre CDU e SPD, o que significa muito provavelmente "mais do mesmo".

    O trabalho do meu irmão não está em risco, muito pelo contrário: ele é gestor oficioso de falências, e estes quadruplicaram no último ano. Pouco a pouco as pessoas tomam consciência de que as coisas não podem continuar como estão: A globalização atinge os alemães como os outros.
    Mas enquanto os custos do estado social sobem e tornam a indústria alemã (a indústria, não as suas grandes empresas, que garantiram lucros recorde este ano, tendo deslocado atempadamente a produção para fora do país) cada vez menos competitiva, ainda não se consegue desistir das "conquistas sociais", nem das mais duvidosas, como ilustra esta anedota verdadeira:

    Como acima escrevi, faz parte dos direitos de qualquer familia que vive legalmente na Alemanha, a posse duma máquina de lavar roupa, não interessando para a questão se consegue pagá-la ou não. Cabe a autarquia a gestão dos recursos do dinheiro dos subsídios para a sua compra.
    Assim, um funcionário público resposável da cidade de Essen teve uma ideia sensata: Em vez de, como até então, distribuir o dinheiro de cerca de 2000 subsídios por ano para a compra da máquina às pessoas, resolveu lançar um concurso de compra das máquinas directamente pelo município, obter assim um preço muito mais económico e distribuir as máquinas (Bosch) aos necessitados.
    Um dos recipientes sentiu-se ofendido pela medida e processou a cidade de Essen. O tribunal deu-lhe razão: É uma humiliação intolerável privar o necessitado do direito da escolha do modelo e estigmatizá-lo através da atribuição do subsídio em espécie.

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