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4.7.05
"A Igreja, como nos ensina, por exemplo, a correspondência entre Galileu e o encarregado das operações da Inquisição, estava preparada para reconhecer o heliocentrismo de Galileu se ele não declarasse a teoria como «verdadeira», mas tal como ela é presentemente encarada pelos investigadores rigorosos: como pressuposto sugerido pela lei da economia (lex parcimoniae), para simplificação das equações astronómicas." Não conhecia esta história que o Afonso hoje contou na Terra da Alegria. Mas sabia que Galilei estava numa posição suficientemente privilegiada para poder negociar - até certo ponto - a autorização respectivamente proibição dos seus trabalhos. No fim, como é sabido, a negociação fracassou. Será que cometeu um erro, ao não aceitar as condições acima referidas? (Vamos supor que foi uma proposta honesta, e não só uma proposta táctica.) Estava ele ainda mais errado, como o Max Scheler diz, ao reclamar a qualidade de «verdade» para a sua teoria, ignorando o que é uma teoria, ou seja um modelo de descrição da realidade, embora porventura mais eficáz do que os anteriores? E será o cardeal mesmo mais lúcido do que Galilei ao propor o reconhecimento disso, porque sabia que não existe tal coisa como «verdade» científica, só a religiosa? A minha resposta é três vezes não. Aceitar a proposta do cardeal, achar que se salvasse a essência da sua teoria ao declará-la como um mero progesso no cálculo astronómico, isto é, na previsão da posição dos planetas no firmamento, isto é: não no espaço, teria sido uma clara redução ao absurdo da sua teoria. Um ridículo. Então a teoria do Galilei e a epicíclica ptolemaica, defendida pela Igreja, encontraram-se no mesmo plano? Isso só pode alegar quem realmente não pretende mais da ciência do que a previsão das posições das estrelas: no firmamento! Não é honesto negar que, com a teoria heliocentrista, se deu um salto qualitativo no saber, e não só um progresso metodológico. Claro que sabemos hoje, e creio que até o Galileu já sabia, que a sua teoria não era a «verdade» última (ou religiosa), que de facto não se deixa descobrir ou estabelecer pela ciência, que só se pode evocar pelas expressões artísitcas e religiosas. (Sobre a religião «científica», o dogmatismo, tenho as minhas opiniões, cuja exposição não cabe neste post.) Voltando à ciência: "A lei de Newton só funcionaria, rigorosamente, no vazio, mas esse vazio, nunca ninguém o viu, nunca homem algum o fez." A lei de Newton não funcionaria, mas funcionou para levar homens para a lua e de volta, e hoje atingiu uma sonda terrestre um cometa dum tamanho duns poucos quilometros, à distância de uma centena e meia de milhões de quilómetros, porque o seu envio foi calculado segundo as leis de Newton (e de Einstein, provavelmente). Só um progresso da economia do câlculo ptolemáico? As imagens na TV e na internet do «deep impact» têm, em princípio, o mesmo teor de verdade como as esferas celestes de antigamente? Não brinquem! A verdade científica não nos dá as respostas últimas, não nos diz e nunca nos dirá de onde vímos, quem somos, para onde vamos, e será sempre uma verdade imperfeita, mas já é suficientemente verdadeira para que um astronauta sente a areia lunar debaixo dos seus pés e para que quem se encontra na mira dum cruise-missile encontra a sua morte. O problema do conflito entre a Igreja e Galilei não era que ele se meteu nos assuntos da Igreja, mas que a Igreja se meteu nos assuntos dele! Não foi em defesa dum falsificacionismo moderno que tentaram impedir o seu livro, foi em defesa da velha «verdade científica» da Igreja! Porque anteciparam correctamente, que ela lhe retiraria autoridade em matérias em que ela não era sustentável. O Afonso tem razão quando critica a ingenuidade de muitas pessoas que confundem a verdade científica com a «verdade» religiosa, metafísica. Mas reabilitar a inquisição atribuindo motivos de rigor e «humildade científica» (essa é tão boa, só pode ter sido inventada por um Jesuita!) à supressão da teoria heliocentrista, isto é verdadeiramente ingénuo. |
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