<$BlogRSDUrl$>




  • 27.6.05

    Este post devia estar na Terra da Alegria de hoje. Mas por falta de tempo não consegui escrever e enviá-lo a tempo. Mas como ele se integra na recente discussão motivada pelo post do Bernardo sobre a obrigação dos católicos de acreditar no Diabo, não quero esperar até para a próxima semana. Os conterráneos me perdoem.

    Não é a questão da existência ou não do Diabo, que me move, é a exigência da obediência numa questão da fé, que nele é expressa.
    O Bernardo diz, claro e inequivocamente: Quem é católico, tem obrigação de acreditar no Diabo, e quem não pode ou quer fazê-lo, por favor, que saia da Igreja. (Se depois admite, num comentário, que não cabe a ele a decisão sobre a excomunhão de crentes, isso só é um reconhecimento que não ocupa o lugar na hierarquia de quem assiste o direito de excomungar membros da Igreja, não é uma revogação da alternativa que coloca aos seus correligionários.)

    À primeira vista não choca, que o Bernardo coloca a alternativa. É natural que organizações ideológicas como igrejas ou partidos, cuja natureza consiste precisamente na partilha dum conjunto doutrinário, estabelece exigências mínimas de concordância para os seus membros. Sabe-se que uns são mais exigentes, como o Partido Comunista, por exemplo, ou o Islão, outros menos.
    Mas à segunda vista há aqui algo que não passa despercebido: a ideia da obrigação de acreditar numa determinada doutrina. Referi uns dias atrás, no post sobre a "aproximação voluntária", um efeito psicológico que afecta quase inevitavelmente os membros de todas as organizações ideológicas, mas aqui deixa de ser um efeito subconsciente e passa a ser uma exigência consciente e manifesta!

    Lembro-me da minha surpresa ingénua, quando me apercebi que os católicos (todos?) não partilham comigo o terreno comum do Iluminismo. Isto surpreendeu-me, obviamente por falta do conhecimento do pensamento católico mais recente. Eu tinha atribuído a aversão dos católicos que conhecia ao Iluminismo mais a uma época histórica que limitou substancialmente a influência da igreja, em que essa se viu vítima de secularizações, por vezes de excessos criminosos. Mas ao nível das ideias, pensei eu, todos nós, desde há muito, católicos ou não, com excepção duma pequena minoria de reaccionários incorrigíveis, já assimilámos a essência do iluminismo: A emancipação das ideias do poder. Que as ideias se encontram num espaço de liberdade: confrontam-se, derrotam-se, fertilizam-se e transformam-se, não afectadas pelo quem as profere. Este não conta. O poder de quem fala já não lhes acrescenta razão, o seu estatuto não as torna mais válidas. Elas, a partir de agora, têm de se aguentar sozinhas.

    Para qualquer cientista, para qualquer intelectual de hoje isto é uma evidência banal. Para qualquer intelectual? Não. Não é para o teólogo católico! Para ele continua válido o argumento da autoridade. Porque o S. Tomás assim disse, porque o Papa assim diz, tenho, se sou católico, obrigação de pensar e acreditar duma determinada forma! Se não conseguir à primeira, espera-se um esforço de mim para que me convenço, não por força de argumentos, mas por força de autoridade.

    Há aqui a razão mais elementar, porque nunca poderia ser católico. Mas, pessoalmente, não tenho de me queixar. Ninguém, menos ainda o Bernardo, exigiu-me que me convertesse ao catolicismo. Nem ele nem os outros habitantes da Terra da Alegria.

    Que não todos partilham da opinião do Bernardo, como se viu no debate da semana passada, percebi também pelo eco positivo que recebi ao meu primeiro post na Terra da Alegria, que escrevi, há um ano atrás, entusiasmado pelo espírito de liberdade que lá encontrei:

    "Gosto da Terra da Alegria também e especialmente porque ela é nova e ainda muito pouco explorada. E porque não é colonizada. Tenho para mim que o objectivo dos seus habitantes não é colonizá-la. Em contraste aos que entendem a Fé como resultado dum trabalho de colonização, duma luta árdua em que se arranca a Verdade, pedaço a pedaço, da selva da dúvida e dos equívocos, e as guarda, protege e defende contra perigos e influências potencialmente nocivas, sejam eles o clima, parasitas ou predadores. Onde o cuidado da planta da Fé se concentra mais do que na rega e na aplicação de adube, no arrancar das ervas daninhas e fazendo a poda, seguindo os exemplos e instruções de quem sabe como a planta deve ficar. E onde se entende a Fé como uma coisa que se possa possuir. (Como se fosse possível tratar, no domínio da religião, qualquer coisa como propriedade...)"


    Enquanto há católicos, que se chamam a si católicos, tomarei eles, que conheço, como representantes dessa igreja. Não me apropriarei dos critérios dos guardiões da doutrina. Os que tive a sorte de conhecer, não são pessoas que colocam o outro – nem em questões de doutrina nem noutras muito diferentes – perante a alternativa de submissão ou exclusão.

    Parecem-me ter, e bem, outra ordem na mente: Se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas. (Mat. 5.41)


    (Quero deixar ainda uma explicação da citação do Sermão da Montanha com o qual concluí o post. Ao relê-lo fiquei na dúvida se ela se compreende no contexto:
    Sempre me parecia a melhor, não, a única forma legítima de proselitismo essa recomendada por Jesus. Acompanhar o outro no seu caminho, para ter o contacto e o tempo necessário com ele, aprender com ele e perceber para onde ele vai, e depois levá-lo, se achar certo, suavemente comigo na inflexão do meu caminho. Pela força da gravidade, por assim dizer. Mas sempre admitindo e aceitando que o meu caminho é tão susceptível da influência "gravitacional" dele como este é da minha. O que exige de mim certamente alguma autoconfiança, ou talvez podemos chamá-lo confiança em Deus.)

    This page is powered by Blogger. Isn't yours?

    Creative Commons License