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  • 30.6.05
    Sobre as consequências psico-sociais da 1ª Guerra Mundial

    Anteontem deu-se o aniversario, como alguns bloguistas me lembraram, do assassinato do Príncipe Franz Ferdinand da Austria, no 28.6.1014 em Sarajewo, que despoletou a eclosão da 1ª Guerra Mundial. Sobre o contexto e nomeadamente as consequências psico-sociais fala este trecho da Crítica da Razão Cínica de Peter Sloterdijk:

    "O historiador sabe que a história política não pode ser o lugar da felicidade humana. Mas se alguém quisesse perguntar, mesmo assim, quando no nosso século [XX] tocou a hora mais feliz dos povos europeus, a resposta nos colocaria num embaraço. No entanto os sinais e os documentos falam por si. Estamos, no primeiro momento, sem resposta perante o fenómeno do Agosto 1914: O que os povos que entravam na guerra viveram na altura, os historiadores chamam, envergonhadamente, "psicose de guerra". Se olhamos mais de perto, tratava-se de tempestades emocionais indescritíveis, que se apoderavam das massas, de explosões de júbilo e da comoção nacional, do prazer no medo e da êxtase com o destino. Eram momentos incomparáveis da ênfase e da premonição da vida; a palavra da época era uma de embriagues: Finalmente chegou a hora. As massas também sentiam medo, é verdade, mas antes de mais um sentimento de partida para algo, de que se esperava "vida". Os lemas eram rejuvenescimento, prova, banho de limpeza, cura de despoluição. No primeiro ano, a guerra foi feita por exércitos de voluntários, ninguém tinha de ser obrigado para ir a frente do combate. A catástrofe aliciou a juventude do império de Wilhelm II. Quando aconteceu, as pessoas se reconheceram nela e aperceberam-se que tinham estado a espera dela.
    Agora, não há a menor razão para acreditar, que as pessoas de então terem sido tão inteiramente diferente das de hoje. Só a arrogância podia convencer-se, que nós seríamos, nas coisas existencialmente determinantes, mais inteligentes do que estes voluntários de Langemarck que se atiraram pateticamente aos milhares para o fogo das metralhadoras. A diferença consiste somente em que nas gerações posteriores os mecanismos psicológicos funcionarem de forma mais oculta. Por isso nós estamos, no primeiro momento, tão perplexos perante o facto de que os processos se desenrolaram, na altura, na superfície, de forma tão ingénua e desinibida.
    O que os entusiasmados com a guerra julgavam sentir era a diferença qualitativa entre o provisório e a decisão, entre o calor sufocante e a clarificação, com uma palavra, a diferença entre a vida imprópria [uneigentlich] e a vida própria [eigentlich]. Ainda depois da guerra atravessava a literatura proto-fascista a conversa da "luta como experiência interior". Na guerra, sentiam os homens do Agosto 1914, finalmente algo "contava", para qual a existência valia a pena.

    A Primeira Guerra Mundial significa um ponto de viragem no cinismo moderno. Com ele começa a fase quente da desintegração de ingenuidades velhas – como aquela sobre a essência da guerra, a essência da ordem social, do progresso, dos valores burgueses, sim, da própria civilização burguesa. Desde daquela guerra o clima difusamente esquizoido, que paira sobre as potências principais europeias, nunca mais se esvaneceu. Quem fala, desde então, de crises da cultura etc., inevitavelmente tem em mente a constituição mental pós-guerra, que sabe que nunca mais voltará a ingenuidade de antigamente; irrevogavelmente entraram a desconfiança, a desilusão, a dúvida e o distanciamento no código genético psico-social. Todo o positivo será desde então um a despeito de, minado por um desespero latente. Desde então reinam visivelmente os modos quebrados da consciência: ironia, cinismo, estoicismo, melancolia, sarcasmo, nostalgia, voluntarismo, resignação no mal menor. Depressão e anestesia como escolha consciente da inconsciência."

    (em Peter Sloterdijk: Kritik der zynischen Vernunft, 1983)

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