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  • 14.6.05
    Maior do que o quê?

    Sem tempo nem oportunidade, nos últimos dias, de ver noticiários, vi hoje, ao comprar o Público, as capas dos jornais ocupados pela imagem de Álvaro Cunhal. Como já me disseram que morreu ontem, não fiquei surpreendido. Mas surpreendeu-me que, para ler no jornal de referência algo que se refere a outra coisa qualquer, tive de folhear até à página 22.

    Estranhei que um homem que nunca chegou ao poder, para o alívio de pelo menos nove décimos dos seus compatriotas, é, na sua morte, objecto de tamanha admiração. Pelo que leio e li, um grande homem, carismático, influente, como há muito poucos. Muito poucos mesmo: Como disse o CAA (ainda não li mesmo mais nada, nem do Público, nem em blogues, que se escreveu na ocasião da sua morte): se tivesse sido russo, teria chegado a Secretário Geral da URSS, se tivesse sido italiano e católico, teria chegado a Papa. Ou seja: Um homem maior do que o país em que nasceu.

    Não tenho razões nem conhecimento para por em dúvida um tal veredicto dos seus compatriotas. Falta-me competência para pronunciar-me sobre a dimensão da personalidade. E o que faz sentir-me hoje tão estrangeiro: falta-me envolvimento, falta-me emoção, que me instiga de contribuir também eu, com a minha opinião sobre o homem. Não o admiro. Não foi do meu tempo, não foi do meu país, não me identifico (ou identifiquei) com as suas ideias. Álvaro Cunhal é vosso.

    Mas pergunto-me se ele é maior do que o seu país por mérito próprio, ou se o é – vão me perdoar esta indelicadeza? – por demérito do seu país. Não porque penso que Portugal, tendo em conta a sua população de 10 milhões, esteja dotado dum número menor de grandes homens do que outros povos. Não acho isso. Não é isso. Mas reparo nesta ocasião num desejo intenso de ter grandes homens, que leva, quando um morre, todos a empolgá-lo para lá de todas as proporções. Em desproporção não para a dimensão real do homem, quem, como disse, não me sinto competente medir, mas para a sociedade portuguesa. Não compreendo como pode ser tão grande um homem, seja quem for, em relação à sociedade civil, em relação à sua vida e o seu dia a dia, que se lhe dedica tanto espaço, tanto papel, na ocasião da sua morte. Que não me entendam mal: Não sei se o Público e outra imprensa exagerou à dedicar-lhe tanto espaço. Talvez não. Neste caso não havia crítica a fazer à imprensa. Neste caso, diria algo sobre a dimensão da vida pública portuguesa.

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