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  • 20.6.05
    Cinismo

    Acabei de matricular o meu filho no Liceu Dona Leonor. Sempre gostei desta escola, da sua arquitectura, do ritmo confiante e calmo dos seus alçados, da simplicidade da sua cobertura inclinada, a forma despretensiosa como o edifício se situa ao lado do Jardim do 1º de Maio.
    Também contribui para o meu afecto, de forma irracional mas compreensível, o facto que este foi o primeiro liceu português que me mereceu alguma atenção, pois lá andou a minha mulher, quando criança. Ela contou-me que entre as escolas públicas esta foi uma das mais reputadas, com muitos alunos de famílias com nomes sonantes. Que no entanto foram seus colegas da escola, mas não da turma, porque havia uma separação em função da classe, que reuniu os filhos de boas famílias numa turma, e o resto, ao que a minha mulher pertencia, noutras.
    Estrangeiro nascido em democracia e frequentador dum ensino público sem distinção de classe, guardei essa coisa espantosa na memória como um dos exemplos mais plásticos para perceber o que era a sociedade do Estado Novo.

    Então hoje, passados 30 anos, matriculámos o nosso filho neste liceu, após uma ponderação das vantagens e desvantagens dos três ou quatros que estavam em questão na nossa zona. Já tomada a decisão, tive oportunidade de perguntar a uma amiga que lá tem uma filha, que confirmou sim, boa escolha, ela está bastante satisfeita com a experiência. Claro, acrescentou, tens de meter uma cunha para assegurar que o teu filho fique na primeira turma do respectivo ano, pois se não, já não posso garantir nada. É que nessa escola fazem duma forma especialmente acentuada a distribuição dos alunos nas turmas em função de critérios sociais.

    Quando contei essa história, indignado, a uns amigos professores, eles riam-se da minha ingenuidade. - Mas isso faz-se em todo o lado! - Mas porquê? perguntei. - Para proteger os alunos que merecem um ensino decente da companhia dos muitos outros que só pioram o nível e a qualidade do ensino.
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    Como consta no título, este post é sobre cinismo. Dizia Adorno: "Não há vida correcta no errado." Aplicado ao meu caso: Apesar da minha indignação, estou neste momento a tratar de assegurar que o meu filho entre na turma certa.


    P.S.: Sobre cinismo, leiam os posts do Timshel do 16.6 e 18.6.

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