24.4.05
É uma visita dos alemães ao seu passado. Um muito bom sinal. Conseguissem todos os países manchados pelo horror (é verdade que nenhum chegou onde chegou a Alemanha nazi) fazer o mesmo e dormiríamos mais descansados. Daniel Oliveira, sobre o filme "A Queda" (Der Untergang). Já aqui escrevi que a Alemanha Ocidental, isto é, as gerações pós-guerra, tiveram imensa sorte. Pelo facto de que o seu país foi derrotado tão totalmente, mas ter sido poupado, desta vez, de reparações impagáveis, e ter recebido, em vez dum castigo colectivo, um sistema político pluralista e democrático, uma economia de mercado social e uma soberania vigiada. É verdade que este recomeço foi pago com o preço da imerecida amnistia de facto para dezenas de milhares de pessoas na administração pública, e por isso também com o silêncio incomodado sobre o passado nas primeiras duas décadas, ou seja, enquanto eles ainda tinham influência na vida pública da nova R.F.A. Mas foi possível que nesta república cresceu uma geração que não foi marcada pelo ressentimento aos vencedores aliados, e que teve a liberdade bastante para confrontar-se a si e antes de mais os seus pais com a terrível verdade do passado. Se não houvesse mais mérito nenhum, este bastava para reservar à geração de '68 alemã um lugar honroso na história. Porque é, de facto, extraordinário, como ela arranjou a auto-estima e o desprendimento necessário para assumir a herança de algo tão inassumível como o holocausto. Foram o bem-estar económico, e a já real experiência da integração europeia (na Europa dos seis: com a Itália, a França, e os estados Benelux), e foi o sonho socialista, o sonho do "novo homem" e do internacionalismo, que ajudaram, e não desfaz o mérito do alcançado o facto de que este último sonho hoje está muito de rastos. Em contraste, no Japão, a população aparentemente só reage ofendida às manifestações de chineses, que lembram os terríves crimes cometidos na ocupação japonesa. É verdade que me pergunto também, quando vejo os manifestantes chineses, se estes por sua vez têm noção do que se passa e passou em Tibete. Julgo que não têm. Aos chineses, como a tantos outros povos, ninguém ofereceu uma sociedade livre. Mas aos japoneses sim. |
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