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10.2.05
Desde que me consigo lembrar, o meu pai, que tinha de preocupar-se com a educação de tantas crianças, nunca se encarregou especialmente da minha educação ou da da minha irmã, mas gostava de interromper a leitura do seu jornal ou a correcção de testes, quando um de nós contou algo ou a nossa mãe lhe contou dalguma asneira ou dalguma desavença nossa, e ele então perguntava inevitavelmente: Isto é verdade? Era o inventor da palavra «verdade» em todas as suas variações e aplicações, [...] e todas as formas [que a lingua alemã permite] e todas as suas possibilidades de ligação, amor a verdade, amante da verdade, verdade pura, fiel à verdade – essas palavras vieram dele e ele era a origem do espanto e da admiração que estas palavras me suscitavam, desde pequeno. Já antes de poder compreender essas palavras, elas adquiriram uma fascínio ao qual sucumbi. Como outras crianças nesta idade se esforçam para juntar cubos de construção, seguindo exactamente dum padrão pre-estabelecido, eu esforcei-me para cumprir exactamente o padrão do dizer-a-verdade, e pressentia, que o meu pai entendia com isto, que devia dizer «exactamente» o que aconteceu. Para que fim isso servia, concedidamente não sabia, mas cheguei, tanto como permitia uma cabeça tão pequena, ao ponto de sempre dizer a verdade, menos por medo do pai do que por causa dum desejo sombrio. «Uma criança honesta» chamavam-me por isso. Mas em breve já não me chegava o que satisfazia o meu pai, por exemplo, dizer que me demorei no caminho de volta da escola ou que ter chegado atrasado ao almoço por causa duma briga com colegas, mas comecei a dizer a verdade ainda mais verdadeira. Porque percebi subitamente também - julgo que foi no primeiro ou no segundo ano da escola - , o que o era que me era exigido, e eu percebi que estava justificado. O meu desejo encontrou-se com uma exigência, uma exigência boa e distinta entre todas as outras, que os adultos me fizeram. À minha frente estava uma vida fácil, maravilhosa. Não só podia, teria que dizer a verdade em todas as circunstâncias! Então quando o meu pai pergutava porque cheguei tão tarda da escola, tinha de dizer, que o professor, para castigar-nos por conversar e serem barulhentos, obrigara-nos para ficar mais uns quinze minutos de castigo. E tinha de dizer também, que no caminha para casa encontrara a Senhora Simon e me atrasei ainda mais por isso. Mas não, tinha de dizer: Perto do fim da aula de matemática, provavelmente cinco minuto antes, o Senhor Professor disse, porque fomos irrequietos... Não: Porque havia agitação nas últimas mesas, poruqe na última mesa o Anderle e eu fizemos aviões de papel dobrado, e porque tinhamos arrancado folhas dos nossos cadernos para fazer os aviões e ainda tinhamos feitos duas bolas de papel, que tiraramos do meio dos cadernos de matemática o papel das bolas e dos aviões de papel e que para isso tinhamos aberto os agrafos dos cadernos para que o professor não descobrisse... (Ingeborg Bachmann, de Ein Wildermuth) |
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