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  • 16.2.05
    A família

    O Timshel faz hoje na Terra da Alegria a apologia da família. No fundo, partindo só da minha sensibilidade, alinho com ele. Mas é um alinhamento emocional e não reflectido. A família como a mais eficaz "fábrica de felicidade", o melhor ambiente para garantir afecto e atenção, estabilidade emocional e não só. Eis a minha própria experiência. Não preciso, no entanto, de procurar muito para encontrar quem recorda a família em que cresceu ou em que vive como "fábrica de infelicidade".

    Surpreendeu-me um pouco que o Timshel entendeu dever, na sua apologia, defendê-la antes de tudo contra a suspeita de ela ser - como valor - incompatível com o da solidariedade e da justiça social.
    Claro que a família produz, na mesma medida em que fomenta a solidariedade no seu interior, um egoismo de grupo, que pode entrar em conflito com a justiça social, que é tão - e bem! - valorizada por ele. Mas a minha reacção espontânea e forte, quando oiço o elogio do valor da família - normalmente proveniente da direita -, que é de pele de galinha e de ficar com pé atrás, não se prende tanto com o meu medo pela justiça social como com o medo pela liberdade!

    As condições objectivas no interior da família não são propícias para fomentar relações de liberdade. No interior da família, as relações são entre pessoas que têm dependências e expectativas mútuas. E não obstante da existência dos sentimentos de amor e solidariedade, que (normalmente) marcam essas relações, essas relações são relações de poder. O problema é que o poder no interior da família é exercido num enquadramento muito oculto, baseado por um lado nos poderes de facto (o filho depende com a vida dos pais), e por outro num código de conduta e ético não explicitado e por isso muito dificilmente questionável por quem se sente eventualmente injustiçado ou oprimido.

    Assim a família não beneficia duma das grandes conquistas da nossa civilização moderna: Da (relativa) transparência das regras do nosso relacionamento, que permite o discurso sobre a sua bondade e adequação, e a sua eventual alteração.
    Não é por acaso que o valor da família aparece tão intimamente ligado ao valor da tradição. O problema da tradição é esse: É intrinsecamente irracional, mesmo se as regras por ela postuladas - a tradição não defende regras, postula as, porque não as submete à crítica - eventualmente se provam correctas numa apreciação racional.

    Tanto mais que exaltamos o valor da família tradicional, quanto mais temos que ter em vista a família no sentido mais alargado, como sistema de solidariedades e entreajudas, que ultrapassa a ideia da família nuclear moderna. Irmãos e compadres, primos, tios, netos, padrinhos e enteados - rapidamente, num piscar de olhos, estamos num universo de relacões humanas e sociais, que tem uma marca muito forte do calor humano, do compromisso inviolável, mas que também é implacável no seu interior e no exterior, num universo que não é tão diferente daquele que nos mostra aquela emocionante saga de família, Os Sopranos.

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