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23.4.04
O Rui Tavares defende um referendo - como proposto por Santana Lopes - sobre as Torres de Alcântara. Reconhece que não se pode decidir democráticamente o que é arte e o que não, mas reitera a situação especial da arquitectura, porque ela, embora arte, tem um impacto na a cidade e em todos que nela habitam, ao qual não se pode fugir. ("Podemos sempre escolher não ouvir um compositor que nos desagrada ou fechar um livro a meio.") De acordo com a situação especial da arquitectura. Concordo com a participação dos cidadãos nas decisões sobre o desenvolvimento urbanístico das suas cidades (e não só...), para alem do voto nas eleições, mas parece-me completamente desadequado a ideia de referendar projectos que estão em contradição com a legislação e a estratégia urbanística vigente, pela seguinte razão: Arquitectura, e, na questão da cidade muito mais importante, urbanismo, é uma tarefa altamente complexa, e as tomadas de decisão no seu âmbito exigem a intervenção estruturada de um grande número de especialistas com formação para avaliar as condicionantes e propor soluções: Geografos, sociólogos, especialistas de ambiente, paisagistas, engenheiros de trâfego, de estruturas, das várias infraestruturas e urbanistas e arquitectos. A estes últimos dois cabe sintetizar os contributos dos anteriores num projecto, ou antes, num conjunto de regras que condicionam os futuros projectos numa determinada zona da cidade. São eles que, óbviamente orientados pelo cliente - os políticos eleitos -, elaboram um conceito estratégico para o desenvolvimento urbano, e as referidas regras: O Plano Director e Planos de Pormenor, entre outros. Pode-se, em concreto, criticar muito a sua qualidade e/ou as suas opções estratégicas, que de facto frequentemente deixam mesmo muito a desejar em Portugal. Pode-se defender, o que eu faço, um alargamento da intervenção dos cidadãos na sua elaboração e nas suas alterações (previstos legalmente, de 10 em 10 anos), mas não se deve sacrificar essas regras à decisões avulsas, descontextualizadas, sejam elas tomadas em referendo ou não: Quem o faz inviabiliza ainda mais qualquer planeamento coerente e sustentado. (E a ausência de verdadeiro planeamento - é engraçado chegar a dizê-lo numa resposta a um "Barnabeu" e não aos liberais do outro lado - é o que mais caracteriza o atraso de Portugal em relação às economoias europeias mais desenvolvidas!) Claro que me aborresse, como arquitecto, que haja uns, que têm um estatuto para ignorar regras urbanísticas estabelecidas, e eu não. Mas, aqui concordo com o Rui Tavares, não é essa a questão que mais interessa. Também não é um purismo ético, que defende o cumprimento de regras por qualquer preço. Admito que haja situações, em que faz sentido abrir excepções em nome dum bem maior. O que, por acaso, não vejo, nem nas Torres de Alcântara, que gosto bastante, nem na "Piazza de San Marco" dos Santos, que me convence menos. Há uma cultura em Portugal de decisões casuísticos, que são um lado da moeda cujo outro é um aparelho burocrático pesadissimo e lento, que mais do que assegurar um desenvolvimento sustentado e eficáz, parece existir mesmo para criar obstáculos e desencorajar todos menos uma elite, que têm influência suficiente para ultrapassá-los. Legitimar essas decisões casuísticos por referendos pode, na melhor das hipoteses (nem acredito nisso) incomodar às tais elites, mas é um passo errado no único caminho que pode melhorar as coisas: Introduzir mais qualidade, competência e - aí sim! - participação democrática na elaboração dos instrumentos urbanísticos: Os planos. E garantir que sejam respeitados. Já era um começo garantir que sejam respeitados os que há. |
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