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4.4.04
Nunca tinha participado num - por isso, quando soube do concurso literário lançado pelo Luís Ene, que tinha como tema exactamente isso, concursos literários, pensei que não iria participar por falta absoluta de experiência. Mas depois consegui contornar o problema e submeti esta história:
Loreley A coisa mais próxima de um concurso literário em que participei foi um "seminário" sobre "amizade, amor, sexualidade", organizado pela Juventude Católica da minha terra. Tinha quinze anos e participei nele pela razão mais nobre de todas: para conquistar o amor de uma menina. Ela era a filha do médico da vila, tinha catorze anos, olhos verdes que costumava esconder por detrás dos seus longos cabelos loiros; e era de uma beleza que não era deste mundo. Em vez de me prolongar aqui em descrições que não lhe podem fazer justiça, digo só isto: Com ela deve ter-se parecido a Loreley, aquela ninfa mítica do rochedo no Reno, que prendia a atenção dos barqueiros de tal maneira que os fazia naufragar. Amava-a. E o meu amor transformava o mundo. De noite, as estrelas luziam num céu mais fundo, e em toda a parte havia sinais que me deram confiança: Estranhos cumprimentavam-me na rua e as outras raparigas sorriam-me como nunca antes me tinham sorrido; e até os semáforos se tornavam verdes para mim, quando por eles passava nas minhas caminhadas. Mas ela era distante. Sabia onde ela morava, mas aquela mansão de janelas altas, cuja luz por vezes espreitava entre árvores velhas, parecia-me inacessível. E ela não era da minha escola; não pertencia ao seu grupo de amigos, ao qual também não via maneira de aderir. Por isso decidi entrar na Juventude Católica, de qe ela era membro; e os meus pais, evangélicos, não acharam mal; menos ainda desde que o nosso Pastor lhes deu ocasionalmente a conhecer a sua opinião sobre a pena de morte e de que se devia cortar o Idi Amin em fatias finas. Quando então foi anunciado o tal seminário e verifiquei que também ela se inscrevera, soube que tinha chegado a minha oportunidade para lhe demonstrar o meu valor, e até no domínio que interessava! Havia sessões de conversas, nas quais o diácono que moderava o seminário aproveitava para nos avisar dos males da masturbação, do petting e do sexo pré-matrimonial. Não é que estavamos propriamente interessados naquela mensagem, mas ficamos todos deslumbrados e gratos para poder ouvir e falar, em público, de tais coisas! Com ousadia contribuía com algumas opiniões bastante livres no dado contexto, e que obviamente não provinham da minha experiência mas das teorias liberais que trazia de casa. Claro que também cada intervenção era minuciosamente calculada para servir o objectivo que me levara a participar no seminário antes de tudo o resto. E assim chegou o momento de que agora me lembro: o diácono pediu a cada um de nós que escrevesse num papel, sob anonimato, as qualidades que achávamos as mais importantes no namoro. Depois recolheu os papéis e transcreveu-os para o quadro. Apareciam com várias nomeações os conceitos de fidelidade, amor, confiança, honestidade, amizade e afins; e aparecia - isolado, como esperava - o meu: o humor. De facto, esta qualidade, até mereceu ao diácono uma referência elogiosa, e também houve ocasião, sem que isso parecesse demasiado forçado, de levantar na discussão seguinte o meu anonimato. Foi neste dia que arranjei um amigo para a vida. Um outro rapaz, que não conhecia e que escrevia poesia - uma arte em que pouco depois de sabé-lo também eu me experimentava -, mostrou-se muito impressionado pelo meu contributo. Quanto à rapariga em questão, o resultado foi outro. Continuava a não me ligar nenhuma. E umas semanas mais tarde ela tinha um namorado: um tipo carrancudo, com nem um quinto do meu espírito e da minha graça, provava-me que me enganara redondamente no que as raparigas apreciavam num homem. Vários anos mais tarde, ela e eu reencontrámo-nos por acaso, ambos estudantes, numa outra cidade. E desta vez caía na sua graça. Mas isso só aqui conto para reestabelecer a minha honra enquanto homem e não tem nada a ver com a história relatada. Ou talvez tenha, sim. |
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