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  • 28.3.04
    "Não fáras para ti imágem!"

    É notável que sabemos dizer da pessoa que amamos menos do que de qualquer outra, como ela é. Simplesmente amamo-la. Pois exactamente nisto consiste o amor, o maravilhoso no amor, que nos mantém suspenso no que é vivo, na disposição para seguir uma pessoa em todas as suas realizações possíveis. Sabemos que qualquer pessoa, quando é amada, se sente como transformada, desabrochada, e também que desabrocha tudo para o amante, as coisas próximas, o conhecido desde longe. Muito é o que vê como pela primeira vez. O amor livra de qualquer imágem. Isto é o excitante, a aventura, o realmente emocionante, que não conseguimos acabar com a pessoa que amamos: porque a amamos, enquanto a amamos. Ouve-se só os poetas, quando amam; tacteiam a procura de comparações, como se estivessem embriagados, agarram todas as coisas no universo, flores e animais, nuvens, estrelas e mares. Porquê? Assim como o universo, como a amplidão do espaço de Deus, sem fronteiras, cheio de tudo o possível, cheio de todos os segredos, inapreensível como a pessoa, que amamos. -
    Só o amor a atura assim.

    Porquê viajamos?
    Também isso, para encontrar pessoas que não acham que nos conhecem uma vez para todos; para experienciar ainda mais uma vez, o que nos é possivel nesta vida -
    De qualquer maneira já é pouco.

    A nossa opinião de que conhecemos o outro é o fim do amor, sempre, mas causa e efeito se colocam talvez de forma diferente do que somos tentados de assumir - não porque conhecemos o outro, o nosso amor acaba, mas ao contrário: porque o nosso amor acaba, porque a sua força se esgotou, por isso aquela pessoa é acabada para nós. Ela tem que sê-lo. Não podemos mais! Revogamos a disposição de acompanhá-la em mais transformações. Negamos-lhe a exigência de todo o ser vivo, que fique inapreensível, e ao mesmo tempo estamos surpreendidos, porque a nossa relação já não está viva.
    "Não és", diz o ou a desiludido/a, "pelo que te tomei."
    E para quem então se tomou?
    Por um segredo, o que o homem afinal sempre é, por um enigma fascinante, que nos cansámos de aturar. Fazemos-nos uma imágem. Isto é a falta de amor, a traição.

    (em Max Frisch: Tagebuch 1946-1949)

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